segunda-feira, 2 de abril de 2018

UMA CASA COMO PROTEÇÃO



No final do século XIX, mais precisamente após a elevação da Villa de Itabaiana em Cidade (28 de agosto de 1888) seu centro urbano era pouco habitado, sobrando para as casas em sítios que rodeavam o perímetro, composto apenas por três praças sem estrutura, algumas ruas ainda no chão batido e duas igrejas católicas. Uma destas igrejas foi construída em homenagem ao andarilho São Cristóvão (Igreja do Cruzeiro do Século), de pequeno porte e mais ao leste. A principal era a de Santo Antônio, localizada no centro da cidade.

Uma dessas casas afastadas do centro fez história em Itabaiana. Construída no século XIX, pertencia à família dos ancestrais de José Mesquita da Silveira (Zeca Mesquita) e, pelos padrões da cidade, era sem dúvidas a maior delas. Sua localização era na região do Porto, ou melhor Sítio Porto, nome este atribuído à algumas famílias oriundas de Portugal, da região do Porto [SIC]. Era uma casa grande, janelas altas, que tempos depois veio a ser de Joãozinho Marinheiro.

Na década de 20 esta região foi bastante visitada por cangaceiros, principalmente para abastecer seus cantis e moringas no tanquinho, ou como alguns chamavam de “açude velho”, era um tanque arredondado que tempos depois ao seu lado foi construído um matadouro no final da década de 40. Várias pessoas relataram a presença de tropeiros, viajantes, moradores da região e cangaceiros se abastecendo dela. Os moradores do casarão usavam suas águas para diversas atividades, como lavar roupas, beber e tomar banho.

Em 1929 quando foi anunciada a presença dos cangaceiros em Sergipe, Zé Melquiades, então dono da casa se arma dentro dela à espera que algo pudesse acontecer. Sua localização era privilegiada, na boca d saída para o sertão, dava também para ver as poucas casas da Itabaiana mais adiante e o horizonte que se estendia ao longe graças a ela estar em uma região alta. Os moradores da casa abriram buracos na altura dos olhos, eles chamavam estes orifícios de “torneiras” por causa dos canos das armas passando a parede e “despejando” suas balas quando necessário.

Os anos se passaram, Lampião não invadiu o centro urbano de Itabaiana. Uns dizem que não o fez por ser devoto de Santo Antônio, outros por causa da força volante que existia na cidade. Uma das probabilidades mais aceita era a proximidade entre Etelvino Mendonça e Lampião, por serem amigos e que nada faltava ao capitão e outros cangaceiros. Mas, a calma na região do Porto estava para mudar.

No ano de 1935, início do ano, um grupo de cangaceiros liderado por Zé Baiano resolveu ir à feira fazer alguns negócios. Não se vestiam a caráter como muitos esperavam de um cangaceiro. A chegada da região do Alagadiço, povoado de Frei Paulo era justamente pelo oitão da casa de Melquíades. Por volta das nove horas da manhã um menino chega até a casa da fazenda gritando e anunciando.

- Zé, Zé, tem cangaceiro na feira de Itabaiana.
- Mais como tu sabe, minino?
- O povo ta contando, é Zé Baiano, o preto e mais dois. Eles nun fizeram nada, estão a cavalo mas o povo ta com medo.
- Obrigado pela notícia.

Semanas antes, Zé Baiano foi vestido a caráter até Ribeirópolis, que deixara de ser Saco do Ribeiro há dois antes. Passeou na feira, fez fotografias com o prefeito Felino Bomfim e não perturbou o povo da cidade que antes pertencia a Itabaiana. As pessoas da região sabiam que ele não estava por ali para fazer arruaça, ele estava negociando com os fazendeiros locais num sistema de agiotagem, assim como em outras localidades.

Voltando a Itabaiana, todos na casa do Porto ficaram em prontidão, as armas foram colocadas nos buracos (que antes de ser destruída ainda dava para se ver os orifícios na década de 90 do século XX). Eles esperavam alguma reação dos cangaceiros. E lá se viam os três em seus cavalos, vinham devagar, olhando o caminho. Havia uma estrada menor que saia da estrada principal. Eles pararam na entrada, ficaram de olho na casa do alto, nem suspeitavam o que podia acontecer com eles. Conversaram um pouco, fumaram um cigarro (a fumaça subia) e continuaram sua caminhada, sempre de olho para o poente. A família se acalmou e as coisas se resolveram. Os três cavaleiros beberam água no tanque, deram água aos animais e partiram a galope em direção a Frei Paulo.

Zé Baiano morreu tempos depois, assassinado por moradores do Alagadiço. Alguns atribuem o ato a dívidas, outros ao medo do povo por conta dos crimes cometidos antes pelo Pantera Negra. Tempos depois a casa descrita foi abandonada e décadas depois, demolida para dar lugar ao CAIC de Itabaiana e tempos depois a Universidade Tiradentes foi construída ao lado e também a Universidade Federal de Sergipe. Dá para se ter uma visão privilegiada de Itabaiana, cidade que Lampião não visitou, mas seus companheiros vieram e se sentiram muito confortáveis por esta terra tão acolhedora.

Robério Santos

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