quarta-feira, 13 de abril de 2016

A FEIRA DE ANTES

Por Robério Santos


Hoje 13 de abril de 2016 saí de minha casa em direção à famosa Feira de Itabaiana, recém escolhida como uma das sete maravilhas culturais de nossa cidade. Tudo acontece na feira, inclusive nada. Um emaranhado de sons e cheiros, pessoas conhecidas e desconhecidas. Comida, tudo de interessante. Mas, sentado tomando café no restaurante de Dona Neusa, no meio da feira, comecei a viajar no tempo e tentei lembrar de alguns fatos curiosos que povoavam a feira de antes, que hoje estão extintos ou aparecem de década em década.

Minha primeira lembrança da Feira de Itabaiana remonta à década de 80, quando vim com meu pai desde Nossa Senhora Aparecida e vimos um homem com algumas malas no chão e vendendo uma pomada que ele gritava “Óleo de castanha Atalaia”. Mas, nas malas o que tinham? Sim amigos, dezenas de cobras de todas as cores. Ele abria a mala maior que
tinha uma Joboia de uns três metros e a enrolava no pescoço das pessoas. De nada as cobras eram relacionadas ao remédio, era pura propaganda, todos queriam ver e acabavam levando o fármaco. “Marketig viral” em tempos em que “redes sociais” eram apenas um pano que se amarrava num armador e duas pessoas deitavam para fazer cafuné uma na outra. As cobras não existem mais na feira (e nem quase nos matos), pois a justiça interviu e começou a prender os que cuidavam dos animais e a soltar os estupradores e ladrões. O politicamente correto, às vezes tem seus apuros. De vez em quando tinham variantes, como ao invés de cobra terem peixes-elétricos em bacias d’água, mas estes bichos pretos ninguém os colocavam nos ombros, apenas encostavam dois fios em circuito e acendiam uma lâmpada para mostrar o poder do Poraquê. 

Outra coisa que me lembro bem na Feira de Itabaiana eram os cantadores, muitos deles cegos. Hoje passeando na feira não os encontrei, cada dia que passa os vemos menos. Eles sentavam com seus pandeiros e violas e começavam a cantar de acordo com o pedido do feirante. Eles faziam improvisos, vendiam folhetos de cordéis e atraiam uma multidão para tratá-los como artistas. Ficavam despelando no sol o dia inteiro, assoviando e cantando, as pessoas passavam e depositavam moedas numa cuia de Queijo do Reino que ficava no chão. Cheguei a fazer uma reportagem com o último destes artistas que até hoje resiste ao tempo ao lado do Mercado onde ficava o Tanque do Povo. Hoje não o vi, fiquei preocupado com sua saúde.

Por último, o jogo do preá. Uma vez vi dezenas de pessoas ao redor de um pano que mais parecia rinha de galo. Eu que era e ainda sou curioso fui me aproximando e vi que as pessoas apostavam em números e cada número equivalia a uma casinha. No centro havia um preá que era solto e começavam a gritaria espantando o bichinho. Na casinha que ele entrasse primeiro, os apostadores recebiam parte das apostas e o dono da banca uma porcentagem. Assim, passavam o dia ganhando dinheiro. Hoje, é proibido, tanto por ter um animal sendo maltratado (segundo a justiça), quanto por ser enquadrado como “jogo de azar”, claro, o azar é do Governo que não recebe impostos. 

Bem, hoje a feira está mais chata, apenas tem a velha venda de legumes, frutas, ovos, carnes em geral, produtos de ferragens e tantas outras coisas. As pessoas não conversam tanto como antes, vão lá, compram e voltam para seus abrigos. A meninada não pode trabalhar, mas podem roubar à vontade; não temos mais as dançarinas ao som de trio pé-de-serra; cadê os vendedores de pedra de rim? Os de sebo de carneiro? Cadê as bancas de bingo? A feira está cada vez mais chata, o politicamente correto às vezes é muito chato, porém necessário porque humanos são humanos e se der brecha ele toma conta e não se limita. Então, volto ao meu café com Neusa que me confirma que tem 37 anos que trabalha com comida na feira e que herdou o costume da sua mãe, dona Lourdes que trabalhou antes dela 50 anos no mesmo ofício e me diz sempre “Tudo está mudado”. Verdade, não só na feira livre, mas no mundo, estão matando a cultura e substituindo por atos robóticos e sem criatividade. E, quem quiser mudar isso, morrerá sozinho e humilhado.

*Robério Santos, Itabaianense, escritor, jornalista, cineasta, fotógrafo, arquivista, professor e Membro da Academia Itabaianense de Letras.

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